Naji al-Ali, 1987
Agora, sob os escombros palestinos, repousa o silêncio. O silêncio devastador que a morte deixou. Repousa o silêncio de um jejum interrompido. De estômagos que morreram vazios em devoção e sacrifício.
O silêncio de festas de casamento que não acontecerão, do Eid que não haverá. Repousa a massa de pão que não foi assada, os chás que nunca serão tomados.
O silêncio caminha por entre o concreto. O concreto que esmaga os risos que um dia apareceriam numa tarde de sol qualquer. Concreto que esmaga os filhos no ventre, os filhos dos sonhos que viriam. Esmaga alianças que não foram entregues, rasga vestidos que nunca serão usados.
Agora, sob os escombros palestinos, nada se mexe. Mover-se aumentaria a dor do coração luxado. Tudo repousa num silêncio triste e negro. Bocas sem sorriso, ouvidos que nunca mais ouvirão as vozes queridas, tampouco os estrondos.
Sob os escombros palestinos não existe massa, nem estatística. Não existe jornalismo, não há mídia. Existem rostos, histórias que, num átimo, deixaram de existir. Vidas sugadas, sonhos que desapareceram num repente. Existe um rosto, um coração, um outrora abrigo de sonhos.
A televisão, sob os escombros, perdeu-se no desenho animado que distraía os menores dos terríveis barulhos. Apagou-se nos 20 minutos de Oum Kalthoum. Deixou de cantar a memória dos dias mais felizes. A televisão sucumbida pela explosão. Sob os escombros palestinos repousa a sombra da morte, escorre o sangue inocente, entra na terra a carne dilacerada que orfaniza a criança sobrevivente.
Sob esses escombros, repousa a alma cansada, que dormia sem paz, que dava boa noite em beijo profundo, em abraço eterno, querendo traduzir o medo de nunca mais acordar. Sob eles, repousam essas almas cansadas, que irão eternizar seu riso e seu jejum embalados pela paz do cerrar dos olhos. A morte eterniza as lembranças, o massacre santifica.
Sob os escombros palestinos, nasce um broto de oliveira. Alheio à guerra, cresce. Alheio às bombas, seivando para cima. Cresce a resistência palestina que clama paz e justiça. Cresce alheio ao terror e ávido por frutos. E o vento do juízo sopra suas folhas.
Sob esses escombros, nascemos. A revolta berrou nosso nome, a injustiça clamou nossa interferência. Nosso coração se levantou pela luta. Agora, da terra palestina, os frutos emergem. Coração de esperança, mãos vestidas de justiça. Emergem, sem silêncio.
Ouçam nossas vozes – as vozes dos vivos – a Palestina espalhou-se!