Super-Herói Sem Asas

[Abdel Halim Hafez – Ahwak]

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Eu percebi que todo mundo tem um herói. Heróis coloridos, sombrios, bonitos. Heróis que voam,  que lutam. Uns negros, outros bandeirolas. Uns teias, outros lamborghini. Todos heróis, salvadores, fortes referenciais, indestrutíveis..! Heróis de cintos modernos, de roupas coladas. Heróis presidentes, guerrilheiros, espertos, outros ditadores. Heróis formadores de tantos menininhos sonhadores e  (uau!) homens tão entusiasmados. Então, percebi que todo mundo precisa de um super-herói. E que todo mundo tem um para si. Eu tenho o meu pai.

Sim, meu pai. Ele não tem uma capa, e não sabe voar. Nunca salvou uma donzela do trigésimo andar, nunca ganhou um Nobel, e nunca foi presidente. Ele não dirige uma Ferrari, não é biônico e nem tem visão raio-x. Mas, toda manhã, me tirava do berço para eu tomar a mamadeira cheia de chocolate quente enquanto ele lia seu jornal com um cafezinho. Resolvia todo problema meu – dos problemas de matemática aos de relacionamento – nem que isso levasse sete horas de conversa. Ele acordava às seis da manhã, em pleno feriado, para fechar a minha cortina a fim de que eu pudesse dormir mais e, nos dias normais acordava às cinco para preparar o nosso café-da-manhã.  Ele me ensinava matemática, e me fez gostar dela, por horas e horas de sua madrugada; me deu ‘O Pequeno Principe’ para ler quando eu tinha 4 anos; me ensinou relações políticas quando eu tinha 6, e ficou acordado noites e noites me orientando em meu Projeto Final de Curso.

É um dos maiores Engenheiros do mundo, já foi ativista político, fala vários idiomas,  já participou de guerras e me contou histórias de guerras. Aliás, ele sempre tem uma história porque sua vida é um relato que não cabe em livro. Mas, mesmo sendo desse tamanho, ele resolveu gastar o maior tempo da sua vida sendo meu pai, e me contando as histórias que passei a vida escutando e que fizeram de mim, o que sou hoje. Histórias que me fizeram desejar jamais ser medíocre, jamais me renunciar do cargo de indignação e desejo de mudança.

Ele é desse tamanho, e existem coisas que jamais vou esquecer, como a primeira vez em que me deixou na porta da escolhinha e eu temi ficar sem ele, ficar sem meu chão. Lembro-me de como se enchia de orgulho quando eu tirava notas boas, ou quando escutava algum elogio sobre mim. E jamais vai sair da minha memória o seu rosto alegre  e seus olhos brilhantes enquanto eu -pequena- defendia minha tese de graduação e -tímida- tentava começar ali a ser engenheira como ele. Se eu pudesse, teria fotografado aquele olhar…

O homem mais importante do mundo, é o mesmo que me ensinou a jamais dormir sem dar boa noite, e sem perdoar quem tivesse nos machucado, a nunca dormir com raiva. É ele que, quando me chama de habibti, me faz sentir segura e amada. Me ensinou a gostar de tudo, a comer de tudo, a entender tudo. Me ensinou a ter assunto com todo mundo.

O segredo da sua grandeza é o seu coração simples e grande. O segredo de seu sucesso é a infinita capacidade que tem de ser simples. E o segredo da nossa eterna amizade é o carinho, a dedicação, o amor, e a pureza que emana dele para mim. Ele me viu crescer. Cresci amiga dele, ao lado dele.  Um dia eu pulava em seu colo (quando ainda cabia lá), enchia ele de beijos; no outro mamava mamadeira de chocolate quente enquanto ele tomava café. Num dia eu largava as barbies para abraçá-lo; no outro eu estudava matematica até de madrugada. Um dia eu pedia pra ele carregar minha lancheira rosa, no outro eu dediquei a ele meu diploma. Mas, todos os dias a gente sentava naquele lugar para tomar aquele café expresso, e o meu chocolate quente (que ja estava dentro de uma xícara e não da mamadeira). E todos os dias a gente conversava e ele me contava histórias (…).

Esse é o meu pai. O homem mais simples do mundo. O mais forte. Que respira amor. O homem cujo cérebro deveria ser leiloado, exposto em um museu, preservado, reaproveitado em todos os séculos, para o bem da humanidade. O único homem para o qual não existe emprego, cargo, dinheiro, reconhecimento – o homem que não foi feito para esse mundo, mas que o entende como ninguém. Ele é o meu melhor amigo. O dono dos meus elogios, o responsável pela minha eterna admiração. Esse é o meu herói. Esse é o meu pai.

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About Tâmara Abdulhamid

palestina, engenheira e blogueira… …mas, é muito injusto uma vida inteira para viver e me definir por linhas. Por isso, espalho pedaços de mim em vocês, nas linhas, naquilo que invento e chamo de amor. Por isso existe o café. Para que você entre, me abrace, se aconchegue, converse e deixe o amor acontecer. De qualquer jeito, do jeito que couber, do jeito que for.

14 respostas para ‘Super-Herói Sem Asas

  1. Andrew,

    Fique a vontade de se projetar aonda se sentir refletido, talvez por algo dentro de si, talvez pela (inevitável) generalidade flexível e pessoal da literatura..onde não existem personagens humanos, mas sentinementos comuns a todos…

    grande abraço

  2. É estranho. Deve ser mais um desvio de comportamente meu (outro provavelmente é o fato de eu usar toda vez que escrevo “é estranho”). Eu não tenho um herói. Mais estranho é sentir empatia com o que você disse aqui e apenas me projetar no seu lugar. Apropriar-me, ROUBAR, o que é pior. Há coisas que para mim ficam sempre melhor no plano das idéias.

    Transformei essa postagem em algo meu, me desculpe. Bom, como sempre digo, eu penso em parênteses.

  3. É verdade, Ronaud…

    Aliás, se eu for 5% de como meu pai e mãe são, acho que seria uma mãe,profissional,esposa,dona-de-casa,engenheira,amiga,irmã (…) excepcional…

    Eles são meus super-heróis…meus exemplos!

    E o texto acabou,indiretamente,fazendo cada um lembrar do seu próprio pai…

    Grande abraço!

    • Olá, fiquei extremamente emocionada ao ler o sua bela homenagem ao Seu pai…e ao mesmo tempo fiquei triste por não ter tido um pai.
      fazer o que a vida é assim.
      Tenho certeza que seu pai tem mto orgulho de ti, pois com certeza se tornou uma bela mulher espriritualmente falando.
      Parabéns por ser iliminada, digo isso, pois o que senti ao ler texto.
      Que Deus a ilumine
      Mirela

  4. Que bonito sua história, com seu pai. Como já foi comentado, é impossível não lembrar do nosso. Costumo brincar, com o meu, após ele resolver certos problemas de forma inusitada e corajosa, que quando crescer, vou querer ser como ele rs.

  5. Segredo-o, lero lero-o! 😀

    Hahahahahhahaha

    Eu que não tenho a habilidade artística que você tem fiz isso, imagine você…Desenhe uma assinatura sua e escaneie…Depois vá colando a figura nos seus textos…!

  6. Querido Eremita,

    Por vezes, sinto que você deixa rolar mais nos comentários do que nos textos…vejo mais você (por vezes, porque afinal de contas seus textos são hiper edificantes – com ou sem hífen?)!

    Mas, tudo a seu tempo..se não voltar a escrever por agora, pelo menos não suma (como eu faço!).

    Você analisou da forma mais correta e pura. O texto acima foi feito pessoal e universal. Porque todos que têm pai heróis iriam se identificar com o meu, ainda que as particularidades os diferenciem!

    Pai e mãe, como Drummond disse, não deveriam ser levados por Deus.Deveriam ficar aqui, para sempre…aquelas rugas que contam histórias, aqueles belissimos fios brancos, a sabedoria inigualável, as palavras, os feitos, os olhares raio-x…São super-heróis sem capas, sem asas, sem cintos, mas são Super heróis (sem hífem). Pessoas que têm superpoderes, indescritíveis personagens..

    Seu pai deveras deve se orgulhar de você, já que tem tido tanta correspondência tanto na vida profissional como na cristã…(Depois me conta essa história de discursar na Câmara!!)…

    Meu parabéns por vocês todos também serem uma família maravilhosa, exemplar (coisa rara atualmente)!

    Que bom que voltou a logar como Eremita! Fico tão feliz que continua caminhando!!! Depois comento em email sobre essas coisas!!

    Quanto à ‘ajuda’, sempre à disposição!!

    Um grande abraço!

  7. Voltemos a normalidade das coisas.
    Após seu notável auxílio para me fazer sair da mais triste crise de auto-estima (com ou sem hífen?) destes últimos tempos, passo a escrever (pequenos comentários, no entanto).

    Belíssimo o seu texto, bem pessoal, mas também universal (se é que estas características podem subsistir em um mesmo texto…). Pelo pouco que conheço de sua família, logo deduzi (na newsletter de V. Sra.) que se tratava do seu pai. O fascinio e a admiração que nutre por ele é evidente. Diga-se de passagem: merecidamente.

    Digo tb universal pq me lembrei do meu pai ao ler seu texto e de sua cara de orgulho ao me ver discursar na Câmara Municiapal na semana passada. E também da minha mãe, que nos (Meu irmão e e) encheu de elogios pela manhã… todos heróis sem capa!

    No mais… tenho de confessar que estás certa sobre aquele comentário no meu blog. Realmente estou amolecendo e me deixando sucetível às pressões externas. Deplorável minha atitude. Confesso!

    Muito obrigado pelá ajuda e pelos comentários sinceros! Quero tê-los sempre disponíveis para me ajudar a crescer!

    Abraço Forte!

    =)

  8. Quando li seu texto não pude deixar de pensar, também, no meu herói…meu pai…

    Mais uma vez, parabéns pelo deslumbrante texto…

    Beijos,

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